Esta
obra é um tributo à mais mítica figura da Ribeira de Muge, o Rei Preto. Aqui o
autor apresenta-nos estórias que recolheu junto de pessoas mais velhas, quantas
vezes iletradas, sobre aquele que é a personagem identitária das gentes do vale
da Ribeira de Muge em geral, e de Paço dos Negros em particular.
É
um contributo para que esta memória não se perca. Este livro resulta de uma
interessante mistura entre documentos encontrados na Torre do Tombo, a tradição
oral (que referimos), e uma crítica, quase ao estilo de Gil Vicente nos seus
autos, à degradação, ao abandono e sobretudo ao desconhecimento e ao não
querer-saber a que o património cultural desta zona tem sido votado. Sobre este
último aspeto, podemos deixar aquele que talvez seja um dos mais deliciosos
excertos do livro:
“Naquele
tempo, o rei ocultava-o mas era já senil. Então a camareira-mor, influente e
protetora, cavalgou com sua Alteza até aos Paços Velhos e, fugindo de todas as
evidências como o diabo da cruz, para dar senho de rectidão e de que nada de
valor ali se achava, mandou cavar um buraco no meio do horto e, em pessoa,
mergulhou no fundão da fossa. Eis que a camareira, acudindo-lhe um ataque de
ciência, ripando de umas berças do horto, saltando lá para dentro, decretou a
História do Paço: - Eis, Alteza, a coisa de mor valia que acho nesta terra. Meu
real amo e senhor quereides um talo?” (p. 69)
Por outro lado, tendo em conta a presença de
negros, o autor coloca o Rei Preto e demais escravos a falar com base nas falas
que têm nas obras de Gil Vicente. A poesia popular pontua também este livro em
alguns pontos, o que cria uma obra que é, antes de tudo, as memórias de um
povo.
Os Doze Passos das Negras
Compro
renda
Vendo
renda
Faço
renda
Vendo
renda a meio tostão
Quatro
metros não me chegam
P’ra
roda do meu balão
P’ra
roda do meu balão
P’ra
roda do meu vestido
Compro
renda
Vendo
renda
Faço
renda
Para
eu casar contigo
Compro
renda
Vendo
renda
Faço
renda
Vendo
renda a três e meio
Quatro
metros não me chegam
P’rá
barra do entremeio
P’rá
barra do entremeio
P’rá
barra do meu vestido
Compro
renda
Vendo
renda
Faço
renda
Para
eu casar contigo.
(pp.
80-81)
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