"Ler é sonhar pela mão de outrem. Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo."
Bernardo Soares
Livro do Desassossego

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Matar é fácil, de Agatha Christie

 Este livro foi lançado pela primeira vez em 1939, com o título original Murder is Easy. É protagonizado por um polícia que regressa do oriente, e que conhece uma velhota num comboio que lhe fala de uma série de assassinatos que ocorrem na sua pequena aldeia. Ele não liga, pois crê que é tudo fantasia. Contudo, acaba por descobrir que ela, enquanto ia a caminho da Scotland Yard para apresentar a sua teoria, é atropelada e o condutor foge.


A partir daqui, a trama passa para a pequena aldeia, onde muitos parecem culpados e poucos inocentes. Contudo, há duas duplas reviravoltas, em que se chegará ao final, onde o culpado é aquele que menos se esperava, e que se empenhou não em descobrir o culpado, mas sim em atirar as culpas para outros. Já Bem perto do final, o superintendente Battle, personagem de outros policiais de AC, assume parte da investigação no desmascarar do verdadeiro assassino.


E um bom livro, dentro do universo de AC, apesar de não o podermos considerar o melhor (nem que seja dos que já lemos). Poderia ganhar, ao nível da escrita, se fosse narrado na primeira pessoa pelo dito polícia que vem do Oriente, mas isto é uma questão de gosto pessoal. Existe uma adaptação do livro, na série Marple, em que Miss Marple (uma detetive amadora que assume o protagonismo de um número significativo de romances de AC) assume o principal papel na descoberta do assassino. Aqui o culpado continua a ser o mesmo, mas o objeto do crime é outro, totalmente diferente. 

Imagens da série Marple.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Cancioneiro da Ribeira de Muge, de Manuel Evangelista


Existem muitos tipos de património. O etnográfico, devido às suas características próprias (nomeadamente o facto de estar intimamente ligado a aspetos de difícil conservação e fácil adulteração), quando se cruza com a dimensão imaterial, corre um risco muito maior de desaparecer.

Este livro é um importante contributo para a fixação do património imaterial e etnográfico da zona da Ribeira de Muge. As músicas, quadras e rimas que aqui encontramos são popularmente designadas como “versos”. As mulheres nos canteiros de arroz ou os homens nas tavernas (já bem tocados), eram dois dos melhores cenários para a criação desta poesia popular.

É praticamente impossível recuperar e registar todo o património que aqui se criou. Contudo, este livro dá um notável contributo para que aquele que aqui está registado já não se perca.

Apanha da azeitona
Vimos do campo
De trabalhar
Alegremente
Rir e mangar
As nossas varas
São as primeiras
Nas oliveiras
A varejar
A varejar
Também tem apanhadeiras
Nas oliveiras
Para apanhar

Rancho da nossa Raposa
Como tu não há igual
Azeitona já verdeja
Bendita vareja
Viva Portugal
Azeitona já verdeja
Bendita vareja
Viva Portugal.
(p. 62).

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Jogos da Fome, de Suzanne Collins


Os “Jogos da Fome” é o primeiro volume de uma trilogia do mesmo nome. Foi lançado em 2008 nos Estados Unidos e em 2009 em Portugal. Passa-se num futuro pós-apocalíptico, na América, em que os interesses de uns prevalecem sobre os demais, remetendo as pessoas dos “distritos” a uma condição muitas vezes miserável, de modo a que as rebeliões sejam severamente reprimidas. O contrabando é comum, apesar de proibido. As pessoas estão preocupadas em tentar arranjar alguma coisa para comer, para além do medo que sentem em fazer uma rebelião.

Esta aconteceu no passado desta narrativa, quando os treze distritos revoltado contra a “cidade central”, Capitol. O Distrito 13 foi dizimado, e os restantes foram controlados. Para relembrar todos os anos o poder de Capitol, todos os distritos têm de enviar dois adolescentes (os tributos) para participar num evento denominado “Jogos da Fome”. Neste são colocados os 24 jovens numa arena (um grande espaço, que no caso dos jogos descritos são florestas enormes), onde têm de lutar até à morte, para que exista um único vencedor, que será rico e viverá para sempre como um herói. Há uma grande semelhança com os espétaculos de gladiadores da Roma Antiga, e até existem apostas sobre os tributos, assim como são dados patrocínios aos tributos ao longo do desenrolar do jogo.


Este livro é narrado na primeira pessoa pela protagonista, a jovem tributo do Distrito 12, um dos mais pobres. E ela e o seu colega “tributo” irão desafiar o poder instituído pelos grandes de Capitol, apesar da feroz luta pela sobrevivência e de não serem os mais preparados para enfrentar este desafio. Ou será esta tortura?

O livro está escrito numa linguagem acessível e clara. Tem um bom argumento, e a história está bem contada. As reviravoltas, quando existem, são fundamentadas, e não deixam a narrativa “manca”, nem aquém daquilo que será expectável.


Foi criado um filme, baseado na ação do livro. E contrariamente ao que é prática na adaptação de livros para filmes, este é bastante fidedigno. Com exceção das cenas finais, em que os tributos falam da vitória, que foram amputadas, pode quase dizer-se que as cenas correspondem largamente aquilo que realmente se passa no livro.


Agora resta ler o resto da trilogia, para ver a sua qualidade no todo, e não apenas por este livro. 

(imagens do filme)

domingo, 12 de janeiro de 2014

As Duas Águas do Mar, de Francisco José Viegas


Este livro foi lançado pela primeira vez em 1992. As várias críticas que já ouvi a este livro dizem que não é um policial convencional. E a mim fez-me chegar a conclusão que gosto de policiais convencionais. Porque nesta coisa dos livros, o gosto é uma questão pessoal, e o meu não é este. 


Há um homicídio simultâneo nos Açores e na Galiza, que são investigados por polícias diferentes, e que se conhecem. Contudo, para além da coincidência da hora e dos investigadores se conhecerem, descobre-se também que os assassinados se conhecem, e são mais que meros conhecidos. 


A história dos personagens é boa. O mistério é adensado. No entanto, o autor perde-se em frequentes divagações e descrições, que me fazem perder o interesse na obra. Se as 355 páginas se transformassem em 200, teríamos uma história mais escorreita, mas menos introspetiva. Talvez o meu problema com este livro seja mesmo esse: é demasiado introspetivo, e eu gosto narrativas mais acelaradas e menos subjetivas.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Asterix entre os Pictos, de Jean-Yves Ferri e Didier Conard


É o primeiro álbum de banda desenhada das aventuras dos gauleses Astérix e Obélix que não conta com a assinatura de Albert Uderzo. Ao completarem 50 anos, parece que o autor se despediu das personagens que criou, tendo passado o testemunho a outros. E com efeito, podemos dizer que estes autores mantêm o espírito de Astérix e Obélix, assim como da sua aldeia. Não é a melhor história já vista dos nossos amigos gauleses, contudo, isto de ser o melhor ou o pior é bastante subjetivo.

Representando alguns elementos da cultura popular da Escócia (as personagens são os MacQualquer Coisa, os klits em padrões axadrezados e até o fantástico monstro do Loch Ness), mais uma vez não faltam os romanos à mistura, com a poção mágica de Panoramix. Inclusivamente, o álbum termina com o celebérrimo banquete na pequena aldeia gaulesa, por Tutatis!



Como já referi, não é o melhor álbum de Astérix que já li (uma opinião, apenas), apesar de ser bom. Iremos ter de esperar pelo próximo, para sabermos que Ferri e Conard serão estarão à altura da pesada herança que são as aventuras de Astérix. 

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Os Segredos da Memória, de Elias Rodrigues


Este livro não é um livro de contos nem de crónicas. Não é tão pouco um romance histórico, um simples livro de memórias ou até de etnografia. E tem um pouco de tudo isto (e talvez mais), sem caber exatamente em nenhuma destas categorias. Porque temos esta terrível mania de classificar um livro como pertencente a determinado género (literário ou não), temos hoje este livro que não se pode enquadrar necessariamente em nenhum destes géneros (dificuldade essa bem sentida por um dos apresentadores da obra, no seu lançamento). Contudo, não deixa de ser um excelente livro. Ou talvez seja precisamente por isso que o seja.

Com efeito, assiste-se aqui a uma notável mistura de memórias do autor em diversos locais, sendo Almeirim um deles. Mas não é o Almeirim de hoje, mas sim o dos três primeiros quartos do séc. XX, com as suas personalidades da época, lojas e tascas. Um Almeirim já desaparecido e que o autor vem imortalizar nestas páginas. Em torno destas surge a estória de algo ou alguém, verdadeira ou ficcionada? Quem saberá?

No lançamento, o próprio autor assumiu esta obra como uma mistura entre ficção e realidade. E pode afirmar-se que, sem dúvida, a mistura resultou num belo pedaço de literatura, que proporcionará a quem conheça sobretudo Almeirim, mas também Milfontes, Coimbra, Lisboa ou o Porto, voltar a visitá-los com outros olhos.

De toda a obra destaco o seguinte excerto, por nos transportar precisamente para outro momento da história. Onde a vivência escolar era bem diferente de hoje:

A escola tem uma torre com um relógio e um sino… Para chegar à sala das aulas é preciso subir umas escadas muito altas de madeira que range. O que a rapaziada mais gosta é de ouvir a sineta para as brincadeiras do recreio e o que gosta menos é das reguadas. Os rapazes têm salas e recreios separados das raparigas por causa das coisas.” (p.60).


Para além disto, e para acentuar a pluralidade desta obra (o será a sua singularidade?), esta está pontuada com várias ilustrações, feitas pelo autor ou por amigos seus, que lhe dão outro colorido, apesar de serem a preto e branco.


Uma obra ímpar, que vem, sem dúvida, enriquecer o nosso panorama literário.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

O Estranho ano de Vanessa M, de Filipa Fonseca Silva


A autora deste livro já esteve em alguns tops mundiais, nomeadamente o dos livros mais vendidos do Amazon (creio eu!). E a minha opinião sobre a qualidade deste género de obras, por norma, não tende a ser simpática (veja-se o caso d’ “As cinquenta sombras”). Contudo, como isto dos livros não é matemático, e “O Estranho ano de Vanessa M” é um livro que, pessoalmente, acho que merece verdadeiramente ser lido.

Um bom livro, sobretudo quando se trata de literatura sobre o quotidiano, deve sempre tentar transmitir uma mensagem, ou seja, para além de proporcionar o prazer de ler e de nos evadirmos dos nossos próprios problemas, dar-nos também a possibilidade de pensar naquilo que queremos para a nossa vida.

E Filipa Fonseca Silva traz-nos uma Vanessa na casa dos trinta, casada, com uma filha, nem emprego com um chefe incompetente e que detesta. E vive infeliz, porque sempre viveu a vida que os outros queriam ou esperavam que ela tivesse, em detrimento daquilo que gostava e queria fazer. E este livro é precisamente isto: a busca pela felicidade, o 'grito do Ipiranga' para a descoberta de si próprio e do que quer fazer da sua vida. E sobretudo a descoberta que só conseguimos ser felizes quando nos aceitamos e quando mandamos as convenções sociais 'à fava'.

Poucas São as personagens que têm nome: São a mãe, a filha, a tia, .... 
E ainda Bem que assim é! 

Com uma escrita escorreita, FFS mostra-nos tudo isto, intercalando a ação narrativa com momentos de reflexão e humorísticos, advenientes da tia, uma hippie que fez aquilo que muitos gostariam de ter feito: viveu a sua vida sem se importar com o que os outros pudessem pensar. 


Deixa-se aqui alguns excertos desta nova obra:

Na nossa idade, já ninguém vive com ninguém, filha. (…) Nã… cada um na sua casinha e, depois, lá nos vamos divertindo quando nos apetece ou quanto as dores o permitem” (p. 27)

“O problema das relações é que os homens esperem que as mulheres lhes dêm instruções e as mulheres esperam que os homens lhes leiam os pensamentos” (p. 61)

“Os dias, as semanas e os meses eram indistinguíveis e os anos pautados pelos mesmos momentos: trabalho, férias, trabalho, Natal, novo ano, desejos e resoluções abafadas por mais trabalho, outra vez férias e assim sucessivamente. Dei por mim com trinta e tal anos e um futuro de monotonia pela frente. Dei por mim infeliz, reprimida por um chefe tirânico, incompetente e que consegue levar as pessoas à loucura.” (p. 164)


Este livro não é editado por nenhuma editora, pelo que se pode dar os parabéns à autora por ter a coragem de se lançar sozinha nesta aventura.