"Ler é sonhar pela mão de outrem. Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo."
Bernardo Soares
Livro do Desassossego

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Os Segredos da Memória, de Elias Rodrigues


Este livro não é um livro de contos nem de crónicas. Não é tão pouco um romance histórico, um simples livro de memórias ou até de etnografia. E tem um pouco de tudo isto (e talvez mais), sem caber exatamente em nenhuma destas categorias. Porque temos esta terrível mania de classificar um livro como pertencente a determinado género (literário ou não), temos hoje este livro que não se pode enquadrar necessariamente em nenhum destes géneros (dificuldade essa bem sentida por um dos apresentadores da obra, no seu lançamento). Contudo, não deixa de ser um excelente livro. Ou talvez seja precisamente por isso que o seja.

Com efeito, assiste-se aqui a uma notável mistura de memórias do autor em diversos locais, sendo Almeirim um deles. Mas não é o Almeirim de hoje, mas sim o dos três primeiros quartos do séc. XX, com as suas personalidades da época, lojas e tascas. Um Almeirim já desaparecido e que o autor vem imortalizar nestas páginas. Em torno destas surge a estória de algo ou alguém, verdadeira ou ficcionada? Quem saberá?

No lançamento, o próprio autor assumiu esta obra como uma mistura entre ficção e realidade. E pode afirmar-se que, sem dúvida, a mistura resultou num belo pedaço de literatura, que proporcionará a quem conheça sobretudo Almeirim, mas também Milfontes, Coimbra, Lisboa ou o Porto, voltar a visitá-los com outros olhos.

De toda a obra destaco o seguinte excerto, por nos transportar precisamente para outro momento da história. Onde a vivência escolar era bem diferente de hoje:

A escola tem uma torre com um relógio e um sino… Para chegar à sala das aulas é preciso subir umas escadas muito altas de madeira que range. O que a rapaziada mais gosta é de ouvir a sineta para as brincadeiras do recreio e o que gosta menos é das reguadas. Os rapazes têm salas e recreios separados das raparigas por causa das coisas.” (p.60).


Para além disto, e para acentuar a pluralidade desta obra (o será a sua singularidade?), esta está pontuada com várias ilustrações, feitas pelo autor ou por amigos seus, que lhe dão outro colorido, apesar de serem a preto e branco.


Uma obra ímpar, que vem, sem dúvida, enriquecer o nosso panorama literário.

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