"Ler é sonhar pela mão de outrem. Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo."
Bernardo Soares
Livro do Desassossego

sexta-feira, 25 de abril de 2014

"O dia da Liberdade", de José Jorge Letria



Este dia é um canteiro
com flores todo o ano
e veleiros lá ao largo
navegando a todo o pano.
E assim se lembra outro dia febril
que em tempos mudou a história
numa madrugada de Abril,
quando os meninos de hoje
ainda não tinham nascido
e a nossa liberdade
era um fruto prometido,
tantas vezes proibido,
que tinha o sabor secreto
da esperança e do afecto
e dos amigos todos juntos
debaixo do mesmo tecto.

Salgueiro Maia: O Rosto da Liberdade


Esta é uma Banda Desenhada lançada pelo jornal "O Ribatejo", aquando das comemorações dos 25 anos do 25 de abril. Dá como principal rosto da revolução de 1974 o Capitão da Escola Prática de Cavalaria de Santarém, Fernando Salgueiro Maia. 

Se a BD constitui um género literário autónomo dos três clássicos que conhecemos (prosa, lírica e drama), podemos considerar que este livro conseguiu pegar convenientemente da figura de Salgueiro Maia, e enquadrá-la convenientemente no género literário que é a Banda Desenhada. Com efeito, vivemos nesta obra momento a momento, minuto a minuto aquela noite e aquele dia, desde a saída da EPC até à rendição de Marcello Caetano. 

Foi sem dúvida uma excelente iniciativa d' "O Ribatejo" a publicação desta BD sobre o 25 de abril e Salgueiro Maia. Uma mais que merecida homenagem ao homem que deu a cara por uma revolução, por um ideal, para acabar com "o estado a que chegámos", que, mesmo levando a sua avante, sempre foi ostracizado e menosprezado pelas elites militares e políticas do país que defendeu. 

quinta-feira, 24 de abril de 2014

País de Abril, de Manuel Alegre


Trata-se de uma antologia de poemas escritos por Manuel Alegre, alguns antes da revolução, outros no ímpeto revolucionário ou até em comemorações de aniversários da revolução de abril, mas já todos eles publicados anteriormente. Os dois primeiros blocos foram inclusivamente censurados ainda durante o tempo do Estado Novo.

São poemas na sua grande maioria curtos, e que nos trazem o país oprimido pela ausência de liberdade de expressão e os ventos da guerra (como a famosíssima “Trova do Vento que Passa”). De todos, talvez nos mereça especial destaque, neste ano que se comemoram os 40 anos desta revolução, o último poema da obra, publicado em 1992 no Jornal de Letras, e dedicado a Salgueiro Maia, que reproduzimos abaixo.

Ficaste na pureza inicial
Do gesto que liberta e se desprende.
Havia em ti o símbolo e o sinal
Havia em ti o herói que não se rende.

Outros jogaram o jogo viciado
Para ti nem poder nem sua regra.
Conquistador do sonho incosquistado
Havia em ti o herói que não se integra.

Por isso ficarás como quem vem
Dar outro rosto ao rosto da cidade.
Diz-se o teu nome e sais de Santarém

Trazendo a espada e a flor da liberdade.

terça-feira, 22 de abril de 2014

A História me Absolverá, de Fidel Castro


Face ao seu autor, poderia supor-se que este seria um livro de estratégia política, de ideologia comunista ou até um relato das mais variadas tomadas de posição de Fidel. Contudo, é algo tão simples como o texto expositivo-argumentativo que Fidel Castro utilizou na barra do tribunal em sua própria defesa, aquando do julgamento da insurreição que promoveu a 26 de julho de 1953, contra o regime ditatorial cubano de Flugêncio Baptista, que acabaria por derrotar apenas em 1959.

O discurso é altamente interventivo e desmonta o regime que então vigorava em Cuba, e de como poucos abusavam de muito. Com efeito, através de Fidel, sabemos que a marinha é o ramo das forças armadas que o regime que vigorava menos dominava (e talvez um dos mais importantes para um país formado por ilhas), e que durante a insurreição, houve enfermeiros a distribuir armas. Ainda sobre as forças armadas, denuncia os abusos que eram cometidos pelos oficiais sobre os soldados, obrigando-os a prestarem-lhes serviços pessoais, como motorista e guarda-costas, afirmando inclusivamente que “O interesse de Batista não reside em tomar conta do Exército, mas em que o Exército tome conta dele!” (p. 46). Contudo, nunca deixa de realçar ao longo de todo o discurso a vontade e a força do povo cubano, utilizando até uma expressão, em jeito de conclusão “é assim que o povo luta quando quer conquistar a sua liberdade; atiram pedras aos aviões e voltam tanques com as mãos”. (p. 49).

No quarto capítulo Fidel refere quem os apoiou e como pretende implementar e executar as suas ideias, através de cinco leis revolucionárias. Ao lermos esta parte, a qualquer português poderá dar uma quase sensação de “dejá-vu”, visto que os problemas que aquela Cuba atravessava à época são os nossos atuais, no nosso Portugal, nomeadamente problemas sociais, industriais e de educação.

No quinto capítulo, são relatadas as atrocidades cometidas pela defesa do regime aos revolucionários, com uma exaustiva descrição dos assassinatos, mutilações e torturas a que foram submetidos alguns elementos. No sétimo capítulo, Fidel desmonta o irrisório da constituição de Cuba: o presidente é nomeado pelo conselho de ministros e o conselho de ministros é nomeado pelo presidente.

Este é sem dúvida um documento que revela sobretudo coragem de enfrentar o regime vigente, seja de que forma. Fidel nunca hesita em chamar “os bois pelos nomes”, sobretudo no que toca a Fulgêncio Batista, dizendo já nas suas alegações finais que “É compreensível que os homens honestos sejam mortos ou presos numa República em que o Presidente é um criminoso e um ladrão.” (p. 125-126). 

domingo, 20 de abril de 2014

O Teu Rosto Será o Último, de João Ricardo Pedro


Através de pequenos capítulos, este livro narra a vida e as tragédias de uma família. Cada capítulo corresponde a um episódio, sendo estes frequentemente fechados, ou seja, há uma narrativa com princípio meio e fim em cada capítulo. Contudo, as pequenas farripas libertadas de cada teia de ação irão entrelaçar-se nos capítulos finais.

Este não é, definitivamente, um livro para ler levemente. Com efeito, os capítulos oscilam no tempo, situando-se entre o pós primeira Guerra Mundial e o início dos anos 90. E tão depressa estamos em Portugal, como em África, Áustria ou Buenos Aires. O autor tem uma escrita escorreita e razoavelmente refinada. Usa e abusa de duas figuras de estilo: enumeração e repetição, como podemos ver pelo excerto abaixo:


Depois de novo o silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Até que, com a mão direita, procurou o ralo por baixo da nuca e destapou-o. O corpo começou a emergir lentamente. Primeiro os olhos. A testa. Depois a boca. O queixo. As orelhas. Os mamilos. A barriga. Os pés. As pernas. Os ombros. Os braços. As mãos. Os dedos. Toda.” (p.129)

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Mar Novo, de Sophia de Mello Breyner Andersen


Mar Novo é o quinto livro de poesia de Sophia de Mello Breyner Andersen, publicado pela primeira vez em 1958. Os poemas que constituem a obra são de forma irregular, podendo assumir, entre outros, a forma de sonetos (Corpo), quadras (Lusitânia) ou simples dísticos (Deus é no dia). Com uma temática recorrente no mar (Longe o marinheiro tem/ uma serena praia de mãos puras) e na mitologia (soneto “as três parcas”), cremos ser com estes dois aspetos que se pode definir esta obra.

Não deixa contudo de ser curioso que um dos títulos de um dos poemas seja “Liberdade”, atendendo ao período de repressão e censura que se vivia em Portugal à época da publicação do livro. O poema em si, a nosso ver, nada tem que pudesse despertar ímpetos mais revolucionários. Talvez por isso tenha sido deixado passar, pois assim poderia contribuir-se para a chamada “aparente liberdade” que era preciso que o regime soubesse dar.

Cremos ainda poder dizer que há um lamento, com um roçar da ironia, feito por Sophia, pelo estado da poesia, onde nos brinda com a seguinte quadra:

A bela e pura palavra Poesia
Tanto pelos caminhos se arrastou
Que alta noite a encontrei perdida

Num bordel onde um morto a assassinou.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Catarina de Bragança, de Isabel Stilweel


Este é o segundo livro da autora, ou pelo menos o segundo na “série” de rainhas/princesas de Portugal. Surgiu como dicotomia ao seu primeiro livro, Filipa de Lencastre, que retratava a única inglesa que veio a ser rainha de Portugal. Este livro aborda a única portuguesa que veio a ser rainha de Inglaterra.

Comparado com o primeiro, é estranhamente menos brilhante. Poderíamos dizer que se trata do facto de Catarina de Brangança ter tido uma vida mais infeliz que Filipa Lencastre. Contudo, não terá tido uma vida mais infeliz que D. Amélia de Orleães, a terceira rainha “romanceada” pela autora, sendo que com esta última, IS quase que nos converte à monarquia. Personagens muito idênticas povoam as suas páginas, talvez isso contribuindo para que se adense alguma confusão neste nosso juízo.

Não nos deixa de trazer o dia-a-dia de Catarina de Brangança, desde as suas mais remotas memórias até quase à sua morte. A autora vai explorando a vida da princesa enquanto Infanta de Portugal e mais tarde como Rainha de Inglaterra. Contudo, os períodos finais da sua vida (enquanto rainha viúva em Inglaterra e depois em Portugal), aparecem explorados apenas em duas cartas que a própria escreve a alguém. Seriam períodos com interesse em explorar, inclusivamente o caminho até à hora da sua morte.

Já por várias vezes ouvíramos que este é o livro menos bom da autora, algo que nos vemos obrigados a concordar.