"Ler é sonhar pela mão de outrem. Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo."
Bernardo Soares
Livro do Desassossego

domingo, 18 de maio de 2014

Jesuína Vitória - Uma mulher da Ribeira de Muge, de Manuel Evangelista


Este é o mais recente livro de Manuel Evangelista. Por norma, os seus livros que têm um cariz etnográfico, com base nas inúmeras recolhas que o autor fez junto de pessoas mais velhas que viveram na área de influência da Ribeira de Muge. As suas obras têm um qualquer fio condutor, seja cancioneiro, lendas, orações ou contos. Contudo, neste livro podemos encontrar um pouco de tudo isso, uma vez que desta feita, o fio condutor do livro é aquilo que em “cientifiquês” se chama “fonte oral”. 

O autor apresenta aqui uma compilação de poemas e contos, misturadas com prosas de “narrador presente” em que a patrona do livro conta não só a sua vida, como também a forma como viveu, desde os rituais diários àquilo que se comia. 

Tendo esta vivido parte considerável da sua vida numa das mais importantes casas agrícolas da Ribeira de Muge – a Ponte Velha, torna-se este livro de memórias também num documento único, que nos mostram como eram os rituais dos trabalhadores desta casa. 

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Folhas Caídas, de Almeida Garrett


É talvez a mais famosa antologia poética de Almeida Garrett. Foi publicada pela primeira vez em 1853, sendo a última obra publicada em vida do autor, que viria a falecer no ano seguinte. Esta publicação foi para o autor uma forma de ser ele próprio a escolher alguns poemas que escreveu ao longo da vida, para que outro não o fizesse após a sua morte, conforme nos diz na “advertência” que abre este livro. A sua própria organização e publicação no “Outono da Vida” remete para o título: Folhas Caídas, que caem no outono.


É constituída a obra por uma série de poemas, marcadamente românticos, na aceção mais sentimental, tanto pelo lado da paixão romântica (“Rosa – um suspiro”) ou fatal (“Víbora”). Ler todo este livro, que nem é uma antologia tão grande quanto isso, leva-nos a conhecer toda a obra, em detrimento daqueles poemas que normalmente conhecemos da escola, como “A Débil” ou “Este Inferno de Amar”. 

domingo, 4 de maio de 2014

Os Pioneiros, de Luísa Beltrão


Publicado pela primeira vez há 20 anos, em 1994, pela Editorial Presença, com este livro inicia-se uma tetralogia da autoria de Luísa Beltrão. Tem como pano de fundo a história de uma família, desde que um dos seus elementos luta para enriquecer até ao inicío da geração dos seus filhos.

Mostra-nos como se uma fortuna construída com trabalho se pode destruir rapidamente. De como os homens são breves, e são os seus próprios piores inimigos. Ensina-mos também que o verdadeiro valor da vida e aquele que nos faz felizes está presente nas pequenas coisas, ou por outra, está longe daquilo que o dinheiro pode comprar.

O livro não tem propriamente um protagonista. Ou por outra, o protagonista vai variando ao longo da narrativa, isto é, aquele que protagoniza determinado capítulo, passa a personagem secundária no capítulo seguinte, ou desaparece na trama, passando o protagonismo a quem era secundário ou surge de novo.

São seis capítulos, que iniciam cada um com uma carta da “Tia Graça”, que virá, possivelmente, a protagonizar qualquer outro momento num dos livros seguintes da tetralogia. Neste, ela fala dos protagonistas em questão, do que ouviu ou conheceu dele. Depois há todo o desenrolar da teia narrativa, em que a autora constrói uma escrita fluente e interessante, por vezes pontuada com excelentes notas de ironia, como as seguintes:

O tio Luiz era um homem muito bem parecido, loiro e com um ar muito fino. Adorava a mulher, aliaz todos os Teixeiras sempre adoraram as mulheres, embora fossem dados às aventuras fora de casa. Mas o tio Luiz talvez fosse o menos estroina, por isso deixou fortuna, sempre foi bom administrador. Casou com a tia Zulmira, que era uma senhora linda, poetiza, sempre muito janota e que gostava de ser admirada pelos homens. Deizem que até era um pouco leviana, mas eu não gosto de dizer mal de ninguém.” (p. 149) – de uma carta da Tia Graça

Ana tivera que pedir à vizinha da frente, (…), a viver sozinha no seu solar, que albergasse o secretário Anníbal durante um mês, (…). A senhora Dona Anástácia, solteira cinquentona, de peito farto e bigode escuro, levantara dificuldades, «parece mal coabitar com um rapaz tão jovem, o que dirá o povo!». Ana, diplomática, convencera-a que a sua virtude estava acima de qualquer suspeita e a senhora dona Anastácia aceita alvoraçada.” (p. 171)

Partiram em lua-de-mel para a quinta do noivo, que estava preocupado com umas vacas mal paridas. Não durou a estada mais de uma semana; Laura, na sua linguagem provocadora, descrevera à irmã, curiosa, dos pormenores nupciais, «não me importo que ele faça de boi e eu de vaca, até nem me importava de estar sempre nisso, agora passar o tempo a ouvir falar de tetas infetadas e de vitelos desmedrados, Deus me livre!». Nunca mais foi ao Alentejo. E costuma dizer, perante o ar escandalizado da irmã, quando o marido voltava das propriedades, «la vem o boi à vaca, vai ser um regalo!». E o alentejano ria, ria.” (p. 206)


Por outro lado, traz-nos também uma viagem às vivências da vida privada dos burgueses, ou da baixa nobreza, durante o período da monarquia constitucional. Por fim, podemos afirmar que estamos perante uma obra que, mais que a história de uma família, consegue ser, em parte, também um romance histórico.