"Ler é sonhar pela mão de outrem. Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo."
Bernardo Soares
Livro do Desassossego

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Inferno no Vaticano, de Flávio Caputelo


Este é um livro que tem o Vaticano e o Papado como pano de fundo e foi lançado já neste ano de 2014. Podemos distinguir duas narrativas distintas: a do thriller em torno de uma importante descoberta na cidade do Vaticano, em que vão sendo assassinadas algumas pessoas de uma irmandade secreta, e o romance entre o inspetor Luís Borges e a simbologista Valéria Del Bosque.


Enquanto que a primeira narrativa é pontuada por um excelente discurso de suspense e intriga, isto é, um policial de alta qualidade, a parte romanesca assume a face mais pobre do livro do ponto de vista da imaginação e da qualidade da escrita. Se assumirmos que escrever é algo que precisa de prática, acreditamos que o autor tem um potencial a desenvolver neste campo, podendo vir a proporcionar ao público bons livros, melhores que este, num futuro.  

domingo, 20 de julho de 2014

Homens há muitos, de Francisco Salgueiro


Este livro vai presentemente na 7.ª edição, tendo sido lançado pela primeira vez em 2003. Foi o primeiro livro do autor, e tendo nós lido alguns dos seus últimos títulos (os dois “O Fim da Inocência”), conseguimos notar uma natural evolução da sua escrita.

Este é um romance narrado na primeira pessoa, o que, como já aludimos aqui várias vezes, preferimos, em virtude de criar uma maior envolvência com o leitor. Relata a história de uma amizade entre um homem e uma mulher, a entrar nos 30s. É assumidamente um romance romântico, como o próprio autor o define, tendo passagens oportuna e excessivamente lamechas. Contudo, e uma vez que todo o bom livro deve ter uma mensagem, a deste centra-se essencialmente no dilema que muitos encontramos dentro de nós entre fazermos da nossa vida aquilo que queremos ou aquilo que os outros querem que façamos dela.

Pode assumir-se como uma excelente companhia num dia de praia neste verão. 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

O Seminarista, de Rubem Fonseca


Este é um livro muito rápido de se ler. o autor tem uma escrita fluente e escorreita, quase cinematográfica. A narração avança num modo bastante rápido. sendo este livro um romance policial, o autor fundiu na mesma personagem o protagonista, o detetive e o assassino, de uma forma completamente alternativa ao policial a que estamos habituados.

Contudo, não deixa o autor de pontuar o livro com excelentes notas de ironia, como esta:

"Podemos nos encontrar em outra parte. Para jantar, por exemplo. O que gosta você de comer?"
"Qualquer coisa."
"Conheço um restaurante que faz uma qualquer coisa deliciosa."
"Combinado", disse o tira.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Bichos, de Miguel Torga


“Bichos” é uma antologia de 14 contos da autoria de Adolfo Correia Rocha, que utilizou o pseudónimo literário de Miguel Torga. Lançado pela primeira vez em 1940, esta é uma obra que conta com inúmeras reedições. Encontramos aqui bichos que pensam e bichos que interagem com o bicho homem. Um cão de caça, um gato, uma mulher em trabalho de parto, um burro, um sapo, um galo, um pintassilgo, uma cigarra, um pardal, um pastor, um melro, um touro, um colecionador de insetos e um corvo: são estes os bichos!

A morte e um tema que atravessa toda a obra, nas suas mais variadas formas: o assassínio, a morte por divertimento, a morte por crueldade, a morte por piedade, a morte por abandono, o nado-morto. Torga presenteia-nos com um cenário serrano ao longo destes contos, pontuado com excelentes passagens, que nos fazem refletir, algumas, e outras com uma certa dimensão humorístico-irónica.

A gente também vive de boas palavras” (p. 49)

“- Há-de ficar para galo!
E a sujeita tinha palavra. Em Maio, por alturas da Ascensão, ao dar de caras com os irmãos degolados e depenados, ainda lhe tremeu a passarinha. Olha que brincadeira! Felizmente que a dona sabia distinguir o trigo do joio, e o deixava para semente... “ (p. 70)

A sua alma era muda como um túmulo” (p. 103)


A significação da vida ligara-se indissoluvelmente ao acto de insubordinação. (…) Que nada podia contra àquela vontade inabalável de ser livre” (p. 134)

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Histórias da Terra e do Mar, de Sophia de Mello Breyner Andersen


Hoje, no dia em que se assinalam os dez anos da morte de Sophia de Mello Breyner, prestamos-lhe homenagem a uma das maiores escritoras do séc. XX aqui, através deste livro que conjuga uma versatilidade da escrita. Foi publicado pela primeira vez em 1984, e vai neste momento na 23.ª edição, em várias editoras diferentes.

Este é um conjunto de cinco contos, protagonizados por uma Gata Borralheira diferente daquela que conhecemos do conto infantil. Uma mulher a lavar a loiça. Um jovem rapaz que quer ser um homem do mar. Lúcia, Joana e Hans.  E depois destes, há dois contos que conseguem ser protagonizados não por pessoas, mas por uma casa e por um lugar. Aqui se vê a versatilidade de Sophia e quão longe ela consegue ir no trabalho com as palavras e com a língua.

De todo o livro, destacamos a deliciosa e idílica descrição de uma casa junto à praia, assim como da própria praia:

"Para além das dunas a praia estende-se a todo o comprimento da costa e só o limite do olhar a limita. E, de norte a sul, ao longo das areias, correm três linhas escuras e grossas de algas, búzios e conchas, misturados com ouriços, pedaços de cortiça e pedaços de madeira que são restos de bóias e de barcos. Sobre a areia molhada que a maré-cheia alisou o poisar das gaivotas deixa finas pegadas triangulares, semelhantes à escrita de um tempo antiquíssimo." (p. 72)