Quando se
começa a ler um livro, as expectativas sobre ele podem ser maiores ou menores.
Sobre o Zorro, não tínhamos uma expectativa muito além. Sabíamos que Allende
escreve bem (temos a experiência da trilogia d’ “As Aventuras da Águia e do
Jaguar”). “Zorro – o começo da lenda”, sendo a oferta de uma editora por uma
outra compra, pensamos que seria um livro pouco interessante. Pensamento mais
errado.
Lançado em
2005, este é o 13.º romance da autora. São 443 páginas de uma escrita arrebatadora
e fluída. Apesar de não ser um romance que procura atingir um ponto alto – um clímax,
deparamo-nos sim com pequenas narrativas de encaixe umas nas outras, os episódios
que levaram à transformação de Dom Diego de La Vega no Zorro. Tendo pegado numa
personagem com oitenta anos, Allende conseguiu reinventar a lacuna biográfica
desta: o período que media o conhecimento dos seus pais até ao seu regresso de
Espanha, onde recebeu uma educação diferente da que teria na Califórnia
espanhola.
Narrado na
primeira pessoa por uma das personagens, que apenas na última parte se revela,
passados 25 anos do regresso à Califórnia. Um relato pontuado por um bom humor
incessante de passagens tão deliciosas quanto esta:
“Durante
várias semanas no mar alto os rapazes nunca dispuseram de um momento de
privacidade; até as funções mais elementares eram levadas a cabo à vista dos
outros num balde, se havia ondulação, ou, em caso contrário, sentados numa
tábua com um buraco diretamente sobre o mar. Ninguém sabe como se arranjou a
púdica filha do auditor, porque nunca a viram despejar um bacio. Os marinheiros
trocavam apostas a esse respeito, primeiro mortos de riso e depois assustados,
porque uma obstipação tão perseverante parecia coisa de bruxaria” (p. 120)
Um romance
que mais que nos transportar para o mundo daquelas personagens, nos alerta para
o tempo negro da escravatura e do desrespeito aos índios. Num cenário de
abusos, era ao Zorro que competia fazer justiça.