"Ler é sonhar pela mão de outrem. Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo."
Bernardo Soares
Livro do Desassossego

domingo, 19 de outubro de 2014

Zorro – o começo da lenda, de Isabel Allende


Quando se começa a ler um livro, as expectativas sobre ele podem ser maiores ou menores. Sobre o Zorro, não tínhamos uma expectativa muito além. Sabíamos que Allende escreve bem (temos a experiência da trilogia d’ “As Aventuras da Águia e do Jaguar”). “Zorro – o começo da lenda”, sendo a oferta de uma editora por uma outra compra, pensamos que seria um livro pouco interessante. Pensamento mais errado.

Lançado em 2005, este é o 13.º romance da autora. São 443 páginas de uma escrita arrebatadora e fluída. Apesar de não ser um romance que procura atingir um ponto alto – um clímax, deparamo-nos sim com pequenas narrativas de encaixe umas nas outras, os episódios que levaram à transformação de Dom Diego de La Vega no Zorro. Tendo pegado numa personagem com oitenta anos, Allende conseguiu reinventar a lacuna biográfica desta: o período que media o conhecimento dos seus pais até ao seu regresso de Espanha, onde recebeu uma educação diferente da que teria na Califórnia espanhola.

Narrado na primeira pessoa por uma das personagens, que apenas na última parte se revela, passados 25 anos do regresso à Califórnia. Um relato pontuado por um bom humor incessante de passagens tão deliciosas quanto esta:

Durante várias semanas no mar alto os rapazes nunca dispuseram de um momento de privacidade; até as funções mais elementares eram levadas a cabo à vista dos outros num balde, se havia ondulação, ou, em caso contrário, sentados numa tábua com um buraco diretamente sobre o mar. Ninguém sabe como se arranjou a púdica filha do auditor, porque nunca a viram despejar um bacio. Os marinheiros trocavam apostas a esse respeito, primeiro mortos de riso e depois assustados, porque uma obstipação tão perseverante parecia coisa de bruxaria” (p. 120)


Um romance que mais que nos transportar para o mundo daquelas personagens, nos alerta para o tempo negro da escravatura e do desrespeito aos índios. Num cenário de abusos, era ao Zorro que competia fazer justiça.  

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Obras de Eugénio de Andrade, volume 1


Editado pela Assírio e Alvim, este volume reúne as três primeiras obras poéticas de Eugénio de Andrade. “Primeiros Poemas” trata-se de uma seleção de dez poemas do autor das suas duas primeiras obras, “Adolescente” (1942) e “Pureza” (1945). São poemas curtos, que variam entre uma e três estrofes, e os maiores têm apenas onze versos. São poemas simples, pontuados por ligações à agua (fonte, ribeiro), à noite, à natureza. Destes destacamos:

PAISAGEM
Entre pinheiros
três casas.
Uma azenha parada.
Uma torre erguida
de fraga em fraga
contra o céu de cal.
E um silêncio talhado
para o voo de um moscardo
alastra de casa em casa,
sobe à torre abandonada
e sobe a azenha parada
tomba desamparado.

“As mãos e os frutos”, pulbicado pela primeira vez em 1948, é uma obra com 35 poemas numerados, a maioria dos quais sem título. Ao nível da forma vai do dístico a estrofes com mais de uma dezena de versos. Estes poemas são pontuados igualmente por elementos naturalistas, por uma leveza, na sua grande maioria. Os frutos são constantes (ou não dosse esse o seu título… vão das espigas, vinhas, cerejas e romãs. Vimos igualmente um certo jogo de sonoridades, que dá uma musicalidade à poesia (“e ficaria surdo e cego e mudo”; “a tua vinha sem vinho”).


Por fim, “Os Amantes sem Dinheiro”, lançado em 1950, trata-se de cerca de vinte poemas, todos titulados. Transversalmente, podemos considera-lo como sendo pontuado por três grandes temas: a liberdade (personificada numa gaivota), a mãe e o amor. É inclusivamente o último poema, “Adeus”, que nos traz o que fica do fim de uma relação. 

terça-feira, 14 de outubro de 2014

O Rio das Flores, de Miguel Sousa Tavares


Este foi o segundo romance do autor, posterior ao célebre Equador, publicado pela primeira vez em 2007. É a história da vida de um homem, que começa na sua adolescência e vai até à sua “meia-idade”. Traz-nos o retrato do Portugal do fim da monarquia, da agoniante primeira república e sobretudo do início do regime salazarista até ao final da 2.ª Guerra Mundial. De como viviam os grandes proprietários alentejanos. De como sobrevivia um indivíduo inconformado com o que o destino lhe dera: ser morgado, ou ser o dono de uma grande herdade alentejana. De como queria mais e queria ir mais além. E é isso que este livro retrata: a busca pelo seu lugar no mundo de um homem que não estava conformado com o que o destino lhe deu.

Encontramos aqui uma excelente construção narrativa, com processos encadeados ao longo das 600 páginas, alternados com uma descrição (excessiva, na nossa opinião) da situação política que se vivia naquela altura um pouco por todo o mundo. Personagens muito bem construídas, sobretudo o próprio protagonista, o seu irmão, a sua mãe e a sua mulher. Chegamos ao fim com sensação de conhecer o interior daquelas quatro pessoas no que de melhor e de pior pensam, das suas aspirações, dos seus desejos, dos seus amores, das suas paixões.


Todo o livro, para poder ser considerado uma obra literária, deve transmitir uma mensagem. A d’ “O Rio das Flores” é clara: Nunca deixar de lutar por aquilo que queremos para nós mesmos!

domingo, 12 de outubro de 2014

Cinco Dias, Cinco Noites, de Manuel Tiago

Esta obra é classificada como uma novela. Lançada pela primeira vez em 1975, é assinada por Manuel Tiago, pseudónimo literário de Álvaro Cunhal.

É uma novela, quase fotográfica, que conta a passagem clandestina de um rapaz (André) para Espanha durante o Estado Novo, com a ajuda de um homem, Lambaça, que não tinha boa fama e é uma personagem enigmática.

É um livro que se lê rapidamente, e que nos trás ao presente as dificuldades bem recentes que se viveram no período da ditadura portuguesa. Numa altura em que emigrar era necessário, para fugir à miséria, mas era bastante difícil. Este livro traz-nos um pouco dessa dificuldade. 


Foi adaptado ao cinema em 1996.

sábado, 11 de outubro de 2014

Ursamaior, de Mário Cláudio


Este romance foi lançado em 2000. O seu título é uma analogia aos seus protagonistas: são as sete estrelas da constelação da Ursa Maior. São sete homens que, por circunstâncias várias, vão parar à prisão.

O livro pode ser separado em duas partes, ainda que estas estejam intercaladas. A primeira com um narrador ausente e a segunda narrada na primeira pessoa, alternadamente entre os sete protagonistas. Esta última torna-se bastante interessante, na medida em que estes descrevem as suas vidas antes de ir ter à prisão e o modo como lá foram parar. Quanto à parte de narrador ausente, assume-se a nosso ver, excessivamente descritiva.


Quanto à ação em si, não é um livro que possamos chamar “em movimento”. Com efeito, as personagens apenas mergulham em breves analepses para contar a sua história. E há um ou outro episódio passado na cadeia. Nada que nos faça ansiar pelo fim, para descobrir como acaba, por na verdade, não há nada começado para se acabar. 

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Crime no Hotel Bertram


Este policial de Agatha Christie, publicado pela primeira vez em 1965, é o 9.º da série protagonizado pela solteirona Miss Marple. Encontramos Miss Marple mais debilitada do que a encontramos nas Caraíbas, no volume anterior. Aqui foram-lhe oferecidos alguns dias pela esposa do seu sobrinho num hotel londrino – O Hotel Bertram. Sobrinho este que nos primeiros volumes da série Marple era um jovem escritor com os seus primeiros livros, e que aqui vamos encontrar já na casa dos 50s, como um escritor de sucesso. Por esta forma, podemos ver o quão tempo passou desde o início da série.

Tendo este hotel como pano de fundo, podemos afirmar que Miss Marple assume um papel quase secundário, no que à investigação criminal respeita, sendo o protagonismo dado ao inspetor Campbell (O Patriarca). A própria ação policial é deveras confusa e muito rebuscada. Está longe de ser um bom livro da série e da própria autora, visto que peca tanto pela ausência de envolvimento de Miss Marple como por uma ação muito pouco real. 

domingo, 5 de outubro de 2014

Amor à Primeira Vista, de Domingos Amaral


Este foi o primeiro romance do autor, lançado em março de 1999. Torna-se interessante ler este livro para uma pessoa que conheceu a realidade que foi o escudo. Não se fala em euros, apenas em escudos.

Este livro tem dois níveis de intriga, protagonizados por um jornalista de um jornal diário. No primeiro nível, chamemos-lhe assim, o jornalista empreende aquilo que podemos chamar “jornalismo de investigação”, onde vai em busca do rasto de obras de arte traficadas e suspeitas de corrupção. No segundo nível, envereda mais pelo jornalismo social, em torno de uma apresentadora da TV e por quem se apaixona.


Se este última assume um papel mais cheio de clichés românticos, acaba por ser salva com um final inesperado da “história de amor”, em vez do “foram felizes para sempre” que muitas vezes povoa estas histórias. E acaba por estar intrinsecamente ligada ao nível da investigação da corrupção. Esse assume uma narrativa fantástica, com um final infelizmente previsível, mas ainda assim povoada com aspetos que nos fazem duvidar do rumo que tudo aquilo poderá vir a tomar.